A vida é o que acontece no meio

Sei que não sou a única que se surpreende por já estarmos na metade de fevereiro. O tempo continua passando da mesma forma, mas o que mudou nestas últimas décadas foi a forma como lidamos com o tempo: nós fazemos muito mais coisas no mesmo curto espaço de tempo.
E como queremos fazer tudo ao mesmo tempo e não deixar nada para trás, estamos sempre com pressa, fazendo algo mas com a cabeça em outro lugar, sempre pensando no final do expediente de trabalho, no próximo fim-de-semana, nas próximas férias, na próxima viagem. Pensamos no dia de receber o salário, pensamos na aposentadoria, pensamos na festa de fim-de-ano. Pensamos em tudo, menos em aproveitar o agora.
Se fosse fazer uma analogia, diria que é como se estivéssemos viajando em um vagão de trem, mas ao invés de apreciar a paisagem, estamos ocupados demais olhando para o mapa, fazendo listas dos próximos lugares que queremos ir e no final não aproveitamos nada da viagem, pois estávamos pensando em tudo, menos em curtir o viagem.
Ano passado eu tive um lampejo, de que a vida é o que acontece no meio.
Nem sempre é sobre destino. Nem sempre precisamos ter um lugar para chegar, ter um objetivo. Nem sempre é sobre finalizar projetos, contabilizar metas.
E como não há nada melhor do que exemplos para entender o que estou querendo dizer, listo algumas das coisas que já faço no meu dia-a-dia para lutar contra a pressa:
Saborear um livro
Não sei se vocês fazem isso, mas eu tinha a mania de ler muito rápido os capítulos finais de um livro. Sabe quando o livro está tão interessante, que a vontade é de atropelar as letras, engolir os parágrafos para saber logo o que acontece no final? Mas pensando bem, pra quê fazer isso? Se estou com um livro interessante em mãos, ao invés de ler rápido para terminar logo, eu agora tento ler mais devagar, prestando atenção em cada linha, volto alguns parágrafos quando necessário, prestando atenção na história… Quando percebo esse interesse extra de vagar na leitura, vou até a cozinha, preparo um chá com leite pra mim e retomo a leitura com a xícara bem quente em mãos. É uma maneira de prolongar o momento de prazer, degustando de um momento único e fazer o tempo passar mais devagar.
A viagem imperfeita que se torna perfeita
A mesma coisa acontece quando vamos viajar. Digo para as filhas que a viagem já começa no momento em que estamos arrumando a mala. Não precisamos fazer com pressa, podemos curtir a preparação da mala. Já no carro, digo para aproveitarem a paisagem, levamos umas besteiras pra comer no trajeto e não importa se o trajeto que tem previsão de 3 horas de carro, levarmos 4 horas. Abrimos as janelas, as crianças se divertem com o vento. Dentro do carro tem de tudo, pelúcia, salgadinho, água gelada, travesseiro de pescoço, brinquedos… elas se divertem tanto que não dormem no carro (nem na ida, nem na volta).
E tudo bem se algo sair do planejado. Outro dia decidimos passar o dia numa cidade próxima de onde moro. Meu marido, recém-habilitado, não viu o buraco grande no asfalto perto de casa e o pneu acabou furando. Ele ficou arrasado, mas eu e as crianças tiramos onda da situação, já que em casa, ele tem a fama de cuidadoso, enquanto eu sou a sem noção, mas essas coisas sempre acontecem só com ele. Trocamos o pneu do carro e seguimos viagem como se não tivesse acontecido absolutamente nada.
Para onde vamos com tanta pressa?
Toda vez que percebo que estou andando rápido, faço a pergunta: “Pra que a pressa? É realmente necessário toda essa pressa?”
Em São Paulo, é comum as pessoas andarem rápido. E quando estamos distraídos, lá estamos nós, caminhando rápido também.
Eu digo para mim mesma que não preciso pegar o metrô que está para partir. Não preciso chegar 2 minutos mais rápido no trabalho. Não preciso voltar para casa correndo. Posso fazer tudo isso em um ritmo confortável e tornar as coisas mais agradáveis.
Então desacelero meus passos e inicio uma caminhada em ritmo confortável. Ritmo esse, em que é possível observar o que acontece ao meu redor. Eu suo menos, canso menos, fico menos estressada, e ainda chego no mesmo horário, mesmo andando um pouco mais devagar.
Otimizando o tempo do trajeto casa-trabalho-casa
Até semana passada, estava indo de carro para o trabalho, pois as aulas das crianças ainda não tinha começado e precisava leva-las para a casa da minha mãe de manhã e buscá-las depois do meu trabalho.
A partir dessa semana, comecei a ir de transporte público, e posso dizer que consigo aproveitar melhor meu tempo.
Eu estabeleci que o tempo que eu estiver no transporte público, será destinado para leitura de livros. Isso significa que eu consigo ler muitas e muitas páginas todos os dias, na ida e na volta. Ah que alegria.
E antes de chegar em casa, eu decidi que faria uma caminhada de 30 a 45 minutos todos os dias.
Desta forma, ir ao trabalho hoje, não significa só trabalho. Significa trabalhar + fazer exercício físico + ler livros.
E com isso, aquela pressa toda que eu tinha para chegar logo no trabalho, para chegar logo em casa, passou, já que hoje eu tenho pequenos prazeres tanto no trajeto da ida para o trabalho como no da volta para casa.
Autoconhecimento
Diferentemente do projeto FIRE (Financial Independence, Retire Early), que há uma meta financeira, compreendi que o autoconhecimento não tem meta para ser batida. Para mim, foi difícil colocar isso na cabeça, pois para quase tudo o que eu faço, eu preciso de um início, meio e fim. A mente humana é tão complexa e tão profunda que a nossa vida na Terra termina antes de descobrirmos tudo. E com isso, eu tive que corrigir a minha fala quando falava que “estava aos poucos montando o quebra-cabeça da minha mente”. Quebra-cabeça tem início, meio e fim, sendo que a busca pelo autoconhecimento não tem fim. Ora, se não tem fim, não preciso ter pressa. Posso aproveitar a jornada, curtir cada aprendizado, me surpreender com cada descoberta boa (e as não tão boas assim).
Hoje entendo que todos nós estamos em um mesmo livro, mas em páginas diferentes. Uns estão em páginas mais à frente, alguns na mesma página que a nossa, enquanto outros estão em páginas das quais já percorremos.
Entender isso, me fez ter compaixão e compreensão pelas pessoas que estão percorrendo páginas que já percorremos, e a ter humildade pelas pessoas que estão nas páginas que ainda iremos percorrer.
~ Yuka ~
Guimarães Rosa, aqui das Gerais, bateu forte aí hoje, uai!
CurtirCurtir
Oi Estevam, ah é? Ele tem um texto que fala sobre esse assunto? Gostaria de ler…
CurtirCurtido por 1 pessoa
Sim. Em Grande Sertão Veredas, lá pelas tantas, não sei exatamente em que página, ele escreve: o mais importante na vida não está na partida e nem na chegada, mas, na travessia, no meio…parafraseei…
CurtirCurtir
A frase na íntegra assim diz: “Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.
Guimarães Rosa Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
CurtirCurtir
Muito bom!!! Obrigada!
CurtirCurtido por 1 pessoa
🌹
CurtirCurtir
Tem outras passagens no livro com essa ideia.
“Porque aprender a viver é que é o viver mesmo.”
CurtirCurtir
Oi Carlos. Eu estou numa fase em que estou percebendo justamente o significado dessa frase. Um beijo.
CurtirCurtir
Bem verdade. Me esforço todos os dias para estar mais presente. Mas o que percebi esse ano foi que para estarmos presente, temos que sair um pouco. Por exemplo, quando fico 24h por dia na função da maternidade, quero o celular, meus pensamentos vão longe, qualquer coisa para me distrair.Mas se estou fazendo pequenas pausas com outras coisas, consigo ter um tempo de qualidade com minhas filhas.
E isso se aplica ao trabalho, ao relacionamento de casal.
Se eu fico fazendo só uma coisa logo me estresso, me canso, a paciência é curta e fico frustrada.
Com isso comecei a investir em alguns hobies esse ano e já me sinto bem mais leve.
CurtirCurtir
Também estamos na mesma sintonia. Tenho feito isso com frequência, investir em alguns hobbies que estavam parados há tempos. Semana que vem, postarei um texto justamente sobre esse assunto, sobre a importância de fazer pequenas pausas. Um beijo.
CurtirCurtir
Caiu como uma luva, nós vivemos muito acelerados.
Aliás, durante o texto percebi que tenho o péssimo hábito de, durante a leitura, descer rapidamente a barra de rolagem do mouse para já saber quais serão os tópicos seguintes que irei encontrar durante o post kkkk. Apenas um sintoma disso. Abs!
CurtirCurtir
Ah esses hábitos que a gente tem rsrs….
CurtirCurtir
Um post leve e inspirador!
Precisamos aprender a desacelerar mais. A viver mais.
Agradeço por me relembrar desse “detalhe” tão importante, Yuka. Era exatamente o que eu precisava ler. E dessa vez, li com calma, Bem devagar, como você faz agora com os livros.
Abraços!
https://simplicidadeeharmonia.com/
CurtirCurtir
Oi Rosana, tudo bem? A gente anda muito acelerada, não? Eu tenho exercitado para andar mais devagar, dirigir devagar, falar devagar, ler devagar, porque quando percebo, estou fazendo tudo com pressa. Nessas horas eu paro e falo para mim mesma: “está com pressa pra que, e pra quem?” rsrs Beijos.
CurtirCurtir