Minha filha mais nova de 3 anos tem gagueira.
Descobri isso muito cedo, alguns meses depois que ela começou a falar. Achei estranho, a boca torta no momento de falar, a bochecha enchia como se precisasse fazer força, já tinha visto essa cena inúmeras vezes quando era criança.
Aguardei alguns meses, a gagueira começou a ficar mais evidente. Ninguém em casa ainda havia percebido.
Pois bem.
Eu tenho uma irmã que tinha gagueira severa.
Eu era pequena, e cresci vendo minha irmã mais nova tendo muitas dificuldades na fala. Ela pulava pra voz sair, ficava vermelha e sem ar, batia no próprio peito, batia na cabeça para que as palavras pudessem sair. E as palavras não saíam. Vi pessoas chutando palavras aleatórias com o intuito de ajuda-la, o que acabava irritando-a ainda mais.
A gagueira é um distúrbio neurológico que provoca um mau funcionamento nas áreas do cérebro que dificulta a fala. Apesar de 95% dos casos de gagueira ter fator hereditário, fonoaudiólogos disseram que minha irmã era gaga por sermos bilíngues, e que minha mãe tinha que tomar a decisão de escolher uma única língua. Ou seja, abandonar o japonês e falar somente português.
O início da gagueira da minha irmã coincidiu com o falecimento precoce do meu pai, e durante muitos anos, minha mãe achou que a gagueira tinha causa psicológica, por conta da ausência da minha mãe para trabalhar sustentar a família.
Minha mãe ignorou todos prognósticos dos especialistas e ela mesma passou a treinar a fala da minha irmã. Sem conhecimento específico, criou exercícios baseando-se na própria intuição. Todos os dias, a todo momento, quando íamos para a escola, quando voltávamos da escola, quando estávamos jantando, minha mãe estava lá, treinando com ela.
Hoje, a minha irmã tem 36 anos, é bilingue, e há mais de uma década, a gagueira dela é imperceptível. Uma conquista da minha irmã, mas a vitória é da minha mãe.
Minha filha ri em voz alta, fala do jeitinho dela, gaguejando, é estimulada a todo momento pela irmã mais velha que tira os brinquedos da mão e sai correndo. Ela contesta, argumenta, briga, chora, e tudo isso faz com que ela fale muito.
Claro que não é fácil, principalmente, porque eu sei como a gagueira afeta na qualidade de vida de uma pessoa.
Mas nessas horas, insisto em lembrar que se a minha mãe conseguiu tratar a gagueira severa da minha irmã, sem marido, sem tempo, sem dinheiro, sem internet, sem conhecimento científico, por que eu não conseguiria, se tenho o apoio do meu marido, tenho tempo, posso contratar um fonoaudiólogo, e ainda tenho internet que me permite acessar as últimas pesquisas sobre o assunto?
Ter visto a luta da minha mãe é ter a certeza de que tudo ficará bem.
O que me resta é agradecer por poder ouvir a voz doce da minha filha, por ela conseguir expressar os sentimentos através da fala, por ser uma criança saudável, por ser uma criança generosa.
A gagueira não tem cura, mas pode muito ser atenuada, até se tornar imperceptível.
Daqui a 10 anos (tempo que considero suficiente para mudar a trajetória da vida), volto para compartilhar com vocês que a conquista foi da minha filha, mas que a vitória é minha.
~ Yuka ~